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terça-feira, agosto 29, 2006

O FINANCIAMENTO PÚBLICO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR

Recebi um e-mail do João Vasconcelos Costa que gostaria de partilhar convosco pela actualidade e interesse:

"Só vou tratar do financiamento público, que não esgota o financiamento da educação superior. Propinas, contratos, parcerias com empresas, doações, são outros componentes essenciais do financiamento, mas ficam para outros escritos, ou recordando escritos anteriores. Não creio que, com isto, este artigo fique afectado. A educação superior é um bem público, confirmou-o a declaração de Praga. E vivemos, muito bem, sob o primado da nossa Constituição, que limita o recurso ao financiamento pelas famílias. Tudo o que for financiamento privado da educação superior é óptimo, mas é uma mais-valia.

Há quatro modalidades principais para o cálculo do financiamento público de uma instituição, no caso uma universidade ou instituto politécnico: 1. o orçamento histórico; 2. o orçamento zero; 3. o financiamento por fórmula; 4. o financiamento programático ou contratado.

1. O orçamento histórico é o que reina entre nós na generalidade dos organismos, incluindo, durante muitos anos, as instituições de educação superior (IES). É o mais simples, também o mais irracional: é o orçamento do ano anterior, com maior ou menor compensação da inflação. É coisa tão absurda que nem merece mais discussão. Não é hoje relevante na educação superior (mas existe, em alguns casos excepcionais), mas, a meu ver, é essencial para a discussão do problema do défice orçamental. No entanto, devo ser compreensivo: nos escassos dias que medeiam entre a comunicação do tecto orçamental do organismo e a entrega da proposta de orçamento, pouco se pode fazer de racional.

2. O orçamento zero, sempre prometido e sempre adiado para a generalidade dos organismos públicos, é como se o organismo fosse criado de novo e tivesse de propor um orçamento inicial. Obriga a uma previsão rigorosa de receitas e despesas, tem de ser justificado rubrica a rubrica e só faz sentido com uma boa contabilidade analítica e gestão orçamental por centros de custo. Requer um aparelho de avaliação inexistente e, no caso das IES, duvido de que o seu aparelho de gestão pudesse fazer propostas rigorosas de orçamento zero. Fi-lo quando director de um instituto que vivia, depauperado, de orçamentos históricos e sei o que isso foi de esforço, quando, muito bem, me impuseram que o fizesse para obter um indispensável reforço orçamental (aqui fica o elogio ao governante que assim decidiu, exemplar e responsavelmente, Alfredo Jorge Silva). Não o consigo imaginar para todo o sistema de educação superior.

3. O financiamento por fórmula é o que vigora desde há mais de uma década para as IES. Adiante relembrarei os seus critérios, que, no essencial, pouco têm mudado. Existe em vários países europeus e foi considerado entre nós, pelo CRUP, como solução milagrosa, enquanto que, noutros lados, está a ser posto em causa. A sua “vantagem” é a neutralização de conflitos inter-institucionais, coisa tão do agrado da aversão da nossa cultura universitária à competição. Evitava o “entalar o pé na porta” para negociações. É verdade que funcionou bem em tempos de vacas gordas e de excesso da procura. Hoje, é o que se sabe, mas, pelas razões referidas, as IES não estão em posição moral para exigir a sua revogação sem apresentarem uma alternativa melhor.

Acresce que o financiamento por fórmula não é uma defesa contra cortes orçamentais. Nunca foi uma imposição automática ao governo, coisa aliás inimaginável. Durante muitos anos, a fórmula apenas servia para calcular o chamado orçamento padrão, nunca atingido na prática, por aplicação de um factor ironicamente chamado de convergência. A fórmula actual resulta num orçamento real, mas por uma habilidade matemática que escapará aos menos versados em cálculo: a introdução de um custo médio por estudante que é calculado com base no financiamento total decidido pelo governo.

4. O financiamento programático, muitas vezes numa base plurianual e sob a forma do “orçamento envelope”, é obviamente o mais racional e tem vindo a merecer cada vez maior apoio das IES estrangeiras. Na sua versão mais simples, reduz-se a um orçamento zero, com as suas vantagens e dificuldades, já referidas, mas com uma diferença essencial. Enquanto que o orçamento zero é estático, retrato de um momento, o financiamento programático é feito com base num programa plurianual, em que a instituição proponente arrisca a sua eficiência e credibilidade, com risco de penalizações. Todas as universidades americanas sabem o que isto é, com a diferença de não o apresentarem ao Estado, antes aos seus doadores.

Que modelo de financiamento julgo que devemos adoptar? Bem gostaria que fosse o programático, mas não me parece realista. Vou discutir uma tentativa de síntese entre financiamento por fórmula e financiamento programático. Podem dizer-me que isto já existe, com os contratos-programa. A meu ver, estes contratos ainda estão muito longe de terem o significado que desejo para o financiamento programático.

Vou ter de escrever alguma coisa sobre o nosso financiamento por fórmula. Os conhecedores que saltem os parágrafos seguintes. No essencial, a fórmula baseia-se no número de alunos. Para cada área disciplinar, foi fixado um rácio, isto é, o número teórico de estudantes por docente. Com este valor e com o número de estudantes, calcula-se o número teórico de docentes, em equivalentes a tempo inteiro (ETI). Também, pelo mesmo processo, com outros rácios, o número de não docentes. Multiplicam-se esses valores pela despesa média de cada categoria de pessoal, em cada instituição e acrescentam-se algumas compensações, por exemplo para promoções (2%). Considera-se que este orçamento padrão de pessoal representa 80% do orçamento e juntam-se os respectivos custos de funcionamento. Recentemente, acrescentaram-se parâmetros não muito significativos relacionados com a qualificação do corpo docente e com o sucesso escolar.

A definição dessa proporção 80:20 foi miserabilista e baseada na situação real. Na média dos principais países da OCDE, a fracção de custos de funcionamento é de 31%. Por exemplo, na Alemanha, a distribuição média do orçamento é de 60% para despesas de pessoal, 27% para despesas de funcionamento e 13% para despesas de capital.

Uma consequência perversa é que esta fórmula premeia o insucesso escolar. Quantos mais estudantes, mais financiamento. É certo que há a figura do estudante inelegível, por excesso de permanência, mas demasiadamente complacente. O sistema, em tempos de excesso de estudantes, era favorável. Em retrocesso da procura, o sistema é asfixiante. As IES não o perceberam, em época de expansão. Agora estão a pagar o preço.

Anote-se também que este sistema teve logo um pecado original. Os rácios, determinantes de todo a coerência da fórmula, foram calculados “com o que havia”. Foi um exercício de escolas secundárias, exclusivamente de ensino. Têm de ser revistos urgentemente, que mais não seja para adequação às novas exigências pedagógicas decorrentes do paradigma de Bolonha. Os novos rácios teriam de ter em conta muitos outros factores: o atendimento aos alunos, as sessões tutoriais, os seminários, o acompanhamento na introdução à investigação, a preparação de meios multimédia de ensino electrónico, etc.

Uma solução imediatista e prática seria a da manutenção da fórmula actual, apenas com revisão dos rácios. Esta revisão seria sempre vantajosa, nem que fosse como sinal da adequação às novas exigências pedagógicas do paradigma de Bolonha. No entanto, como base do financiamento por fórmula, parece-me uma solução insuficiente e não a perfilho, por razões que me parecem claras com a leitura do que se segue.

Uma proposta de modelo de financiamento
Esta proposta assenta nos seguintes pontos básicos:

-O financiamento é distinto no que se refere ao financiamento de base, por fórmula, e ao financiamento programático.
-No financiamento de base, o orçamento de pessoal e o orçamento de funcionamento são calculados separadamente.
-O orçamento de pessoal é calculado com base na situação real estabelecida, corrigida com critérios de qualidade (professor elegível).
-O orçamento de funcionamento continua a ter como a base uma capitação por estudante, mas com peso acrescido do factor resultados.

1. A dotação global

É irrealista pensar-se que pode haver um modelo de financiamento ou uma fórmula que obrigue um governo a um financiamento global pré-determinado por qualquer exercício de cálculo. A dotação global é decisão política do governo, aprovada pelo parlamento, em função da situação económica e orçamental. É regra básica da democracia.

No entanto, seria importante que o governo estabelecesse metas por cujo incumprimento fosse penalizado politicamente. Devia ser fixado um horizonte a médio prazo para se atingir uma determinada percentagem do PIB ou da despesa pública com a educação superior e o governo seria assim obrigado a apresentar anualmente uma proposta adequada de orçamento. Se não, teria de responder perante os cidadãos. É verdade que isto é feito muitas vezes, com desfaçatez perante o não cumprimento (por exemplo, em relação à fracção do PIB para ciência e tecnologia). Males também da complacência do eleitorado.

Mas, mais importante do que a fracção do PIB, é o custo médio por estudante. É nele que reside o nosso défice, em termos relativos, porque a fracção do PIB é um indicador relativo, em relação a um PIB baixo. Gastamos com educação superior 1,1% do PIB, contra uma média de 1,8% na OCDE (OCDE, “Education at a Glance”, 2004). Não é mau, mas a despesa anual por estudante é de 5199 US$ PPC (correcção para paridade de poder de compra), comparada com média de 10.052 US$ PPC da OCDE. O que conta são os valores absolutos, porque professores, serviços e consumíveis custam tanto cá como nos outros países.

Isto poderá parecer estranho. Despesas de pessoal em Portugal a nível dos países mais desenvolvidos? É verdade, a desproporção é muito menor do que no caso da despesa média por estudante. Em 2003 (dados UIS 2003, Unesco, baseados na OCDE), a remuneração média anual dos docentes portugueses da educação superior é de 33.815 US$ PPC, contra 39.317 US$ PPC da média da OCDE. Esses 88% são significativamente mais elevados do que os 52% de diferença em relação ao custo médio por estudante (a comparação é legítima porque, em ambos os casos, se trata de US$ PPC). Também, quanto a outras despesas, basta lembrar, por exemplo, que as nossas tarifas de electricidade, de comunicações e de ligação à net são das mais caras da Europa.

Proponho dez anos para atingirmos, com verdade, 80% da actual média OCDE dos custos por estudante, cerca de 8000 US$ PPC. Isto significaria o compromisso governamental de aumentar anualmente o orçamento da ES, em termos reais, de cerca de 4,8%. É muito para a situação do défice orçamental? Corte-se noutras coisas de muito menor valor estratégico para o desenvolvimento do país. Submarinos? TGV?

Só assim é que faria sentido estratégico a necessária entrada da dotação global no cálculo da fórmula de distribuição. E mais uma vez, como hoje se está a perceber por toda a Europa, que o governo compreenda que Bolonha é cara, se não for só à portuguesa.

2. A fórmula

Como disse, creio que ainda teremos de viver algum tempo com a fórmula, mas julgo que é urgente dar-lhe uma grande volta. Em lugar da base capitacional do estudante, proponho a dupla base, mas não interdependente, dos docentes e dos estudantes/resultados (estes também a entrarem no financiamento programado).

Não adiantam exercícios teóricos, há que resolver é o enorme sufoco financeiro actual das IES. Ele deriva, fundamentalmente, da incapacidade de financiar adequadamente as despesas de pessoal. Hoje, a situação rebenta pelas costuras. Com base nos rácios, as instituições foram contratando professores e assistentes que, hoje, são excedentários, face à grande diminuição do número de alunos. Por exemplo, nas humanidades, o rácio é de um docente para vinte estudantes. Hoje há faculdades com um docente para cada dez ou doze estudantes. No entanto, o financiamento é na base do rácio 20. Como pagar os vencimentos dos excedentes? Há faculdades em que o orçamento de Estado nem dá para cobrir as despesas de pessoal. E até há universidades nesta situação, globalmente.

Racionalizar a dimensão do corpo docente? Quem tem coragem para isto? Além do mais, descontando assistentes, convidados e auxiliares ainda sem nomeação definitiva, o grosso do corpo docente não pode ser despedido (e seria aceitável?).

No entanto, seria irrealista, na actual situação orçamental do pais, pretender-se o financiamento integral das despesas reais de pessoal. Como, frequentemente, elas já representam praticamente a totalidade do orçamento calculado pela fórmula actual, o reforço orçamental, para permitir a fracção de 20% para funcionamento, seria incomportável, de 20%. A solução prática que proponho a seguir é a do financiamento de todos os "professores elegíveis" e de parte considerável das despesas com assistentes.

a) A capitação por docentes e pessoal não docente

A diferença essencial exigida pela situação real é que o número de docentes deve ser o de professores elegíveis e não o de ETIs teóricos. Isto exigiria, num período transitório, o congelamento de contratações, com excepções muito bem fundamentadas e nunca de assistentes, bem como a criação urgente de um sistema de avaliação individual. Como disse, não é praticável o financiamento integral da despesa real com os professores. Então, que se introduzam alguns critérios de qualidade e não a aplicação de uma percentagem uniforme. O que pode ser um professor elegível?

-Todos os professores com nomeação definitiva (sabemos o que podem ser, mas há que se ser polliticamente realista);
-Qualquer professor doutorado com avaliação individual mínima de bom (venha urgentemente a avaliação individual!);
-Idem, se membro de uma unidade de investigação com classificação mínima de bom;
-Idem, se orientador de pelo menos uma tese de doutoramento já concluída ou de três teses de mestrado concluídas, nos últimos três anos;
-Idem, se lhe atribuídas no último triénio, em média, pelo menos nove horas semanais de docência, a nível de licenciatura.
Como se vê, considero à parte os assistentes, que só seriam financiados em 2/3 do seu vencimento. É uma boa forma de as IES serem desafiadas a promoverem rapidamente a qualificação dos seus assistentes.

Podem criticar-me por uma benevolência consciente nestes critérios. Mas eles parecem-me corresponder à realidade das nossas IES e é a esta realidade que a política tem de dar resposta, não a fantasias irrealistas. Este é um corpo docente que as universidades têm o direito de ver financiado. Foi contratado segundo as regras, o Estado que as respeite.

Determinado, em cada caso, o contingente de docentes elegíveis, a despesa de pessoal docente (DPD) devia ser a real e não baseada no vencimento médio.

Para cada área disciplinar, deviam ser calculados novos rácios docentes/não docentes, mas agora sem relação com o número de alunos. Daí a despesa de pessoal não docente (DPND).

À soma, aplicar-se-iam coeficientes de correcção: aumentos previstos de vencimentos (a corrigir automaticamente em função da fixação posterior das tabelas de vencimentos e de subsídios) e promoções (admito que apenas os actuais 2%). No fim, teríamos a despesa de pessoal (DP). Claro que é estática, mas isto seria compensado pelo componente programático do financiamento. Aspecto importante desta proposta é que esta DP não determina a despesa de funcionamento, como veremos a seguir. Actualmente, a despesa de funcionamento é 1/4 da despesa de pessoal. É um absurdo burocrático, generalizante, que não tem em conta (a não ser, remotamente, em função dos rácios) a grande diversidade do panorama disciplinar da repartição de custos.

Para tudo isto não ser um discurso sem sustentação prática, é útil uma simulação, embora, por falta de dados reais, obviamente muito grosseira. Por comodidade, mas também porque é o sector com maiores dificuldades financeiras, vou imaginar uma pequena universidade periférica, X, não me afastando significativamente de um caso real. Vou considerar apenas a DPD e só tendo como base o ensino de 1º grau. Para facilitar, vou calcular a despesa em unidades de conta (UC), com valor unitário correspondente de 1/100 do índice 100 da tabela remuneratória dos docentes. Esqueço, neste exercício, as prestações sociais e subsídio de refeição, bem como o aumento para promoções, que também não terei em conta no cálculo.

Segundo a fórmula a actual, a DPD (ETI x despesa média) é de 167 x 2676 = 445.947 UC. Se considerarmos a relação 80:20 esquecendo as DPND), o orçamento padrão total seria de 557.433 UC. Isto é, o orçamento total (OE) só cobriria 83% das DPD! Não se pense que é hoje situação anómala.

Vejamos agora o modelo que proponho, com uma taxa de elegíveis que não me parece que seja condescendente, e considerando, como disse, só 2/3 das despesas com os assistentes.

Mesmo se aplicando a actual fórmula 80:20, o OE total seria de 725.900 UC. Deixaria uma margem para outras despesas. É verdade que as despesas de pessoal representariam ainda uma percentagem muito alta do OE total, de 92%. Mas já não seria nada mal, para algumas universidades em crise financeira.

Quanto às outras, em situação mais saudável, é difícil fazer uma simulação, mas, atendendo à sua baixa percentagem de assistentes e a uma eventual percentagem alta de professores elegíveis, tenho a impressão de que não ficariam prejudicadas. Além do mais, estão em condições de obterem maior financiamento programático, como discutido mais adiante.

b) As despesas de funcionamento base, por capitação

Na alínea anterior, reconfortei as IES, no que elas hoje têm como mais dramático problema de financiamento. Agora vou ser mais exigente, em relação às despesas de financiamento, e vou ligá-las à qualidade. Pelo que já disse, não aceito um modelo de financiamento ligado essencialmente à capitação por estudante quando não há rigor na definição do estudante elegível. É um financiamento com lógica de “inputs”, quando o já clássico Schumpeter nos ensinou que a lógica inovadora é a dos “outputs”.

Actualmente, por exemplo, mais de metade dos estados americanos financiam as suas universidades públicas por fórmulas que são baseadas essencialmente em indicadores de produtividade. Na Europa, também a Holanda, a Dinamarca e a Finlândia usam fórmulas de financiamento baseadas exclusivamente nos “outputs” universitários.

O nosso sistema actual, em que a definição de estudante inelegível é muito generosa e em que as IES não se decidem a fixar regras de prescrição, premeia o insucesso escolar. Quanto mais alunos maior o financiamento, sejam lá o que forem esses alunos. A modesta bonificação para o sucesso escolar (máximo de 2%) introduzida recentemente na fórmula não me parece significativa.

Neste sentido, gostaria de ver instaurado um sistema de avaliação e valorização financeira dos “outputs”, em termos de resultados ponderados de todas as actividades formativas: formais para grau, CETs, LLL, extensão cultural. Por agora, só é realista ficarmo-nos pela atribuição de graus, embora, muito em breve, o sistema possa ser convertido em total de créditos ECTS.

O que proporia como base de cálculo é o custo médio por grau (CMG), em cada área disciplinar e para cada um dos três graus. Não é difícil. É verdade que, inconcebivelmente, ainda há IES que não têm contabilidade analítica, mas o POCE já pode dar muitas informações.

Do custo médio actual, descontar-se-iam os custos de pessoal, já abrangidos nas DP, conforme a alínea anterior. Este custo médio de funcionamento por grau (CMFG) é a nossa base de cálculo. A partir dele e da duração do curso, é imediato o custo anual. As IES só têm de calcular, em função da sua previsão de atribuições e graus, quais os custos envolvidos, para o seu objectivo de graduações. No total, esta é a grande parcela, de custos de funcionamento (DF), a acrescentar aos custos de pessoal (DP).

O modelo que proponho não se baseia na procura imediata. Se uma IES conseguir ter docentes elegíveis numa área e uma boa taxa de produção de graus, tudo bem, nesta proposta. Há alternativa, que não seja a actual regra administrativa de não menos do que 20, decisão extraordinária ao arbítrio de um ministro? Em democracia, não gosto de decisões arbitrárias.

Quais as vantagens deste modelo? As IES teriam de se promover pelo sucesso escolar, na obtenção da atribuição de graus que propuseram orçamentalmente (no ano seguinte podiam ser penalizadas). Seria um nunca mais ver de necessárias e sempre adiadas regras de prescrições, para que os estudantes excedentários não pesassem num cálculo que não os abrange.

Mas é evidente que isto coloca alguns problemas. Começa logo pela regra maltusiana do não financiamento de cursos com número reduzido de alunos. Já escrevi muito sobre isto, acentuando que a dinâmica formativa académica, de longo prazo, e a qualificação nacional dos quadros não são compatíveis com uma visão de mercado a curto prazo. Mas é uma questão de refracção ocular. Sou míope desde jovem, não consigo ver ao longe, mas não mentalmente. Há politicos que usam óculos, mas creio que só para verem ao perto.

Mais grave, tenho de admitir, é um provável efeito perverso, o da facilitação. Corre-se o risco de um fartar, vilanagem, na concessão de graus. Nem uma avaliação rigorosa dos cursos o evitaria, porque a avaliação cobre também os critérios e métodos propostos para a avaliação dos alunos mas não a sua concretização prática. Por outro lado, a virtude do sistema ficaria sempre muito condicionada por as IES não terem meios para seleccionarem os melhores candidatos e com eles desenvolverem projectos educacionais de qualidade.

No entanto, creio que seria um jogo sem sentido. O que ganhariam por um lado perderiam por outro. Isto resultaria em tal descrédito da universidade e desvalorização social dos cursos que certamente se traduziria em muito menor procura e, no fim, em menor número de alunos e licenciados e, portanto, em menor financiamento. Mas é um risco a ter em conta: até a própria Universidade de Harvard já foi acusada de empolar as classificações para melhorar os seus indicadores de produtividade e qualidade.

Seria necessária outra avaliação, a dos “outputs”, o que obriga à criação de um bom observatório da saída para o trabalho. Por questões de “marketing”, já é vulgar as universidades americanas publicitarem alguns parâmetros importantes: taxa de emprego nos dois anos posteriores à conclusão do curso, remuneração média, ritmo de promoção na carreira, capacidade de mobilidade, etc. Não digo que se deva limitar a isto a análise dos resultados e do valor de uma formação. Há aspectos culturais e sociais igualmente importantes, difíceis mas não impossíveis de quantificar. Mas já não seria mau e também valeria como factor importante de esclarecimento dos candidatos à educação superior, nas suas escolhas.

Por isto, condescendo em aceitar, provisoriamente, uma base de capitação por estudante e não por diplomado, mas com condições:

-Estabelecimento imediato de um regime de prescrição, ou, em alternativa, maior rigor da definição de estudante elegível – por exemplo, para as novas licenciaturas de três anos, o limite de quatro anos;
-Aumento do máximo do actual coeficiente de bonificação do sucesso escolar de 2% para 5%;
-Melhor, em alternativa, um compromisso de cálculo com ponderação de uma fórmula baseada no número de estudantes e outra no número de créditos ou de resultados. Não adianto o valor da ponderação, mas, atendendo ao que ficou discutido, não me repugna cerca de 80:20, num período a curto prazo.
Isto resultaria, mesmo que longe do desejável, num processo provavelmente mais equilibrado de conjugação dos dois critérios, o do “input” e o do “output”.

Em termos gerais, vale para o cálculo do custo médio por estudante (CME) o que disse em relação ao custo médio por diplomado. Coloca-se uma questão importante: o CME deve ser calculado com base nacional ou institucional? A primeira parece fazer mais sentido, premeia a eficiência de gestão dos recursos. No entanto, há razões compreensíveis para diferenças significativas inter-institucionais, desde logo as decorrentes da situação periférica. Como compromisso, não é difícil conjugar ambos os custos, numa fórmula de “correcção global da especificidade”.

De tudo isto resulta que o orçamento base de cada IES seria a soma da despesa de pessoal (DP) e da despesa de funcionamento (DF). A diferença essencial para a fórmula actual é que o orçamento de funcionamento deixa de ser calculado em função do orçamento de pessoal, actualmente segundo a fórmula 80:20, aliás já sem qualquer sentido prático.

Mas se o total fosse superior à dotação orçamental? Prevejo uma resposta: entrar em conta com critérios qualitativos. Não concordo. Financiamento por fórmula, por princípio, não admite critérios qualitativos, não quantificáveis. Estes, muito importantes, deixo-os para o que vem a seguir, o financiamento programático. Se houver lugar a cortes, que sejam quantitativos e proporcionais, eventualmente ponderados pela dimensão. Admito também, como na actual fórmula, um critério de coesão. Considero é que o actual processo de cálculo do factor de coesão ainda tem muito de neutralizador e devia ser mis estrito. Ainda por cima, como se viu no OE deste ano, acaba por penalizar IES com projectos estratégicos bem interessantes (por exemplo, a U. Madeira). Professores que dão todo o seu esforço a projectos inovadores deviam ser estimulados ao máximo. Como é que eles se sentem, ao ver esse esforço defraudado em termos de financiamento?

3. O financiamento consignado

Há IES que precisam de financiamento, de tipo orçamento zero, para encargos que não se ajustam nas actividades universitárias gerais. Não vejo maneira de se poder aplicar qualquer fórmula. No entanto, alerto para o risco que referi de um orçamento zero, que devia ser anual e criterioso, se converter facilmente num orçamento histórico.

Este caso é o do financiamento consignado (“earmarked funding”). As universidades têm actividades e encargos que não são proporcionais ao número de alunos e para os quais, portanto, não faz sentido que se aplique a fórmula de financiamento. São, entre muitos outros, os museus, os jardins botânicos, os teatros universitários, os observatórios, os complexos desportivos, a conservação de património histórico (a biblioteca joanina e a capela da universidade em Coimbra, por exemplo). Estas actividades devem ser financiadas especificamente, à margem da fórmula.

4. O financiamento programático

Descrevi o que me parece uma fórmula aceitável. Ao valor orçamental assim calculado, vou dar o peso de 1, numa dotação final que, como referi, seria de 1,25.

Essencial é que a inovação, a competitividade, tenham base financeira. A propósito das despesas de pessoal, acentuei que a minha proposta era estática. E se um estabelecimento quiser criar uma unidade científica de ponta? Ou criar um ninho de empresas de inovação? Ou contratar excelentes professores estrangeiros? Ou criar um programa inovador de educação liberal? Tanto mais.

Para isto, não há fórmula que valha, nem a gestão banal dos programas-contrato, em regra apenas uma forma de reforço orçamental, discutida com ligeireza.

Em resumo, o governo, uma vez atribuída a dotação global, deve distribui-la, em 80%, segundo a fórmula mista que propus. Os restantes 20% devem ser atribuídos a financiamentos programáticos, com um mecanismo muito rigoroso de avaliação dos compromissos e da sua concretização. Cada projecto institucional seria classificado entre 1 e 1,4, para a tal média, corrigível no fim, globalmente, de 1,2. É o fomento da competição, volto sempre a isto. Sem competição, a nossa ES está condenada à estagnação.

Admito que, numa primeira fase e enquanto forem tão agudas as dificuldades de financiamento, o orçamento de base, por fórmula, possa ser de 90% do total, ficando 10% para o financiamento programático.

O financiamento programático deve ser negociado com base num plano estratégico, no mínimo trienal. Idealmente, o programa deve ser apresentado com lógica “empresarial”, como proposta ao “accionista”: enquadramento sócio-económico no desenvolvimento nacional ou regional; condições de sustentabilidade, em termos dos recursos institucionais; estudo de viabilidade; reorganizações necessárias ao cumprimento do programa, calendarização com possibilidade de avaliação periódica; penalizações pelo não cumprimento dos objectivos, etc.

O que pode caber num programa de financiamento programático? Tanta coisa que só posso dar alguns exemplos:

-Criação de unidades científicas de ponta;
-Criação de centros de inovação tecnológica ou de ninhos de empresas de inovação;
-Contratação especial de professores visitantes em sabáticas activas;
-Programas de prémio do mérito, à margem do ECDU;
-Desenvolvimento de educação à distância;
-Inovação pedagógica;
-Formação de pessoal técnico;
-Modernização de bibliotecas,
-Programas de bolsas institucionais de investigação;
-Programas de doutoramento;
-Programas de formação pós-doutoral;
-Participação em redes internacionais,
-Etc., etc., etc.
Anoto que é admissível e até desejável que, para cada tipo de acção programática, se exija que a IES comparticipe com uma determinada percentagem de receitas próprias ou a obter especificamente.

5. O financiamento da investigação

Um amigo estrangeiro a quem enviei este texto para comentários, sem ter escrito ainda este capítulo, mostrou surpresa: e o financiamento da investigação básica? Começo pelo adjectivo. É claro que boa parte da investigação deve ser financiada por projectos ou contratos, mas fica a investigação básica, que vou considerar de duas formas. Primeiro, toda a investigação não competitiva, a que garante, sem objectivos contratuais a curto prazo, a qualidade científica da universidade, das suas escolas e departamentos. Depois, o financiamento infra-estrutural da investigação, equipamentos, biblioteca, viagens, etc. É ele que garante toda a infra-estrutura da investigação e as despesas gerais, completado com os “overheads” de projectos. Mais importante ainda, o financiamento de base é essencial como factor de estímulo da criatividade e da liberdade científica. A lógica dos projectos é bastante restritiva. Em regra, os projectos exigem liderança com experiência acumulada no tema do projecto, requerem uma proposta de investigação exequível que tenha já bons antecedentes e pressupõem uma alta probabilidade de sucesso na concretização de projectos. Com esta lógica, ficam prejudicadas no financiamento muito boas ideias científicas ainda não comprovadas, novos temas a explorar, trabalho de investigação de jovens investigadores ainda sem créditos firmados (os chamados grupos pré-competitivos). É esta investigação estrutural que também deve ser suportada pelo financiamento de base.

Esse meu amigo elaborou recentemente um projecto de financiamento das universidades do seu país, em que entrou com uma distribuição 70:30 para ensino:investigação. É um valor consensual. Com o nosso actual sistema, estamos muito longe desta relação 70:30. Não consigo dar um número exacto, mas prometo investigar isto. No entanto, não me parece muito realista, neste momento, introduzir o financiamento de base da investigação no financiamento da educação superior, opor muito que isto me desgoste.

Não vou chorar no leite derramado do nosso divórcio educação-ciência. Já muito escrevi sobre isto, mas ele está para durar, corresponde à vontade política, aos interesses instalados da comunidade dos centros e, agora, ainda mais, dos laboratórios associados. Não adianta eu dar sempre o testemunho de muitos amigos meus estrangeiros que nunca conseguem perceber este nosso sistema.

Em atenção a alguns deles que possam estar a ler isto, relembro: em Portugal, universidade é ensino. Quanto à investigação, limita-se a ser instituição de acolhimento (?! Indiquem-me um único pais em que haja isto) de unidades de investigação, autênticos feudos de condes e barões científicos, constituídos, organizados, financiados e avaliados totalmente à margem da universidade. Durante anos, o seu organismo tutelar dependia de outro ministério, quando as universidades dependiam do ministério da educação e os centros do ministério da ciência. Hoje, nem isto, é o mesmo ministério que tutela ambos os domínios.

O financiamento de base é negligenciado em Portugal. Entre nós, o financiamento de base da investigação universitária, o plurianual, é consideravelmente inferior ao financiamento de projectos. Mas já, por exemplo, na Alemanha, o financiamento de base é duas vezes e meia superior ao financiamento por projectos. A experiência que tive em relação aos dois centros do meu instituto mostra-me que o financiamento de base (neste caso o plurianual), apesar de muito superior ao que era no tempo do INIC, é claramente insuficiente. Tive sempre que acorrer com verbas próprias do instituto para satisfazer necessidades de financiamento de base para que os financiamentos plurianuais não chegavam. É difícil dizer o que o financiamento plurianual dos centros representa em relação ao orçamento das faculdades, mas penso não errar por muito se estimar que não ultrapassa nunca, e se calhar com exagero, os 3%. No caso do meu instituto, em que quase todos os professores eram membros de centros, essa percentagem era de cerca de 2% em relação ao orçamento do instituto. Na Universidade do Minho, que tem este valor calculado, ele é ainda mais baixo, de 1,7% do total do orçamento da universidade. Pelo contrário, na Holanda, o factor investigação conta a dobrar em relação ao ensino no cálculo do financiamento em bloco das universidades, no que respeita a custos de funcionamento. E na Inglaterra o financiamento de base da investigação, a cargo das agências financiadoras da universidade, representa cerca de 40% do financiamento total da universidade.

Acresce ainda que o contributo dos “overheads” de projectos pode também ser muito diferente e, se de valor alto, contribuir ainda mais para o financiamento de base da investigação. No Reino Unido, no caso do financiamento de projectos pelos conselhos de investigação, os “overheads” vão até 45% dos custos de pessoal envolvido nos projectos. Mas um estudo da Coopers & Lybrand concluiu que, em certas universidades e em certas disciplinas científicas, os “overheads” deviam ir até 55-65%. Esta situação é muito pior em Portugal, em que não só o valor per capita do financiamento de base (o chamado financiamento plurianual pela Fundação para a Ciência e Tecnologia) é muito baixo, como o valor máximo dos “overheads” é de 20% do total do projecto.

6. A avaliação

Este novo tipo de fórmula, como se viu, premeia a produtividade. Mas eu introduziria ainda um factor adicional de prémio de qualidade, em função da avaliação. É certo que isto não é regra na generalidade dos países europeus. Em Portugal, sempre o CRUP afirmou enfaticamente que a avaliação só visava a melhoria da qualidade e que nunca podia ter efeitos no financiamento.

Só em França, que eu saiba, é que há um sistema de classificação, as “cotations”, que podem ser consideradas para o financiamento, mas numa base de voluntariado, e na Inglaterra é que o financiamento tem uma margem sobre a fórmula de mais ou de menos 5% resultante da avaliação. Esta margem, numa primeira abordagem, parece-me aceitável para Portugal, “mas apenas no sentido positivo, de prémio, não de penalização”. O que está entre aspas, escrevi no meu livro, “A universidade no seu labirinto”, em 2001. Justifiquei então: “Quando as universidades já estão no limiar mínimo do financiamento, diminui-lo nos casos de menor resultado da avaliação pode pôr em causa a própria existência da universidade ou o seu cumprimento de objectivos sociais imprescindíveis. Se, por hipótese, uma universidade regional não atingisse os níveis satisfatórios de qualidade, reduzi-los mais ainda por penalização no financiamento significaria prejudicar largos milhares de jovens dessa região que não têm outra oportunidade de estudos superiores”. Hoje, não subscrevo. O resultado da avaliação deve servir tanto para prémio como para penalização.

Nota 1 – Como me parece ficar evidente no texto, esta proposta pode não ser realista a curto prazo. Para total coerência, faltam-lhe coisas essenciais: a possibilidade de um compromisso governamental com um financiamento plurianual, a avaliação individual dos docentes, a avaliação dos “outputs” da educação superior. No entanto, creio que dá pistas para soluções intermédias adequadas à realidade actual. Devia discuti-las. Os leitores certamente compreendem que não o faça, para não os desviar do essencial da proposta. A cada um imaginar, com bom senso, a sua aplicação realista.

Nota 2 – Prevejo uma critica pertinente, pelo facto de eu esquecer as propinas. A fórmula data do tempo em que elas eram simbólicas e todo o financiamento era público. Hoje, representam cerca de 20% do financiamento de base e, com base constitucional, podem ir até 25%, o que até corresponde ao padrão europeu. Portanto, qualquer nova fórmula devia abater este financiamento privado. Não foi esquecimento meu. Deve-se a considerar que o financiamento total, propinas incluídas, ainda nos deixa, como referi, com um financiamento médio por aluno muito baixo. Deixem-se as propinas como reforço, à margem, compensador de um financiamento público de tempo de vacas magras.

Nota 3 – Como não cabe tudo num artigo, não mencionei outro componente possível e vantajoso do financiamento, que pode ser muito significativo: os "matching funds", um financiamento público que representa uma percentagem do financiamento privado que a IES consegue obter. Premeia a sua capacidade de angariação de fundos ("fund raising").

Nota 4 – As cativações são uma espada de Damocles sempre por cima da cabeça dos dirigentes. Poso compreendê-las no caso dos orçamentos pouco rigorosos, como os históricos, mas não em relação a orçamentos por fórmula. As IES deviam ser isentas das cativações. "



in http://jvcosta.planetaclix.pt/artigos/financiamento1.html

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