António Borges tem-se revelado, com frequência, incomodado. [...] Gostaria de o ver com mais entusiasmo em servir o país – ser competente só, não chega.
Tiago Mendes in DE
António Borges quer voltar para Portugal. Entre outras coisas, porque “quando se está em Portugal há uma alegria de viver diferente” – revelava o social-democrata há 20 meses (Expresso, 06-11-2004). Doutorado em Standford, ex-Dean do INSEAD, ‘vice-president’ da Goldman Sachs, Borges tem um currículo ímpar. As suas qualidades intelectuais e competência profissional são indisputáveis. Revejo-me na sua intolerância à mediocridade. Depois, vêm as divergências.
Borges lembrava que a importância da democracia está em “corrigir os erros”, acrescentando que “Não há melhor regime do que a ditadura iluminada. Se houvesse um príncipe perfeito conseguiríamos maravilhas do país. Veja-se o caso de Singapura. Ou Portugal no tempo de D. João II”. Certo? Certíssimo. E útil, porventura, para interpretar uma recente declaração sua: “Após o Congresso manifestei a minha disponibilidade para trabalhar e trazer uma equipa do melhor que há em Portugal, mas o dr. Mendes não quis”.
Borges tem-se revelado, com frequência, injustiçado e incomodado. A sua postura reclama Pessoa: “A vaidade é a confiança no efeito do nosso valor, o orgulho a confiança em que temos valor. Compreendo que um homem seja orgulhoso; não compreendo que mostre sê-lo”. De pouco vale invocar a parca popularidade tida no país ou o carisma político por provar. O seu raciocínio, como o de qualquer “príncipe perfeito”, é simples: ele tem mérito, ele é “superior”, mas ele não tem poder. Logo, contradição.
Assumido cumpridor da ética católica na sua vida profissional e pessoal – “não roubar ou ser corrupto, ser minimamente leal ou solidário” –, Borges confina o pagamento de impostos à esfera da lei. Fazendo um paralelo entre a fuga ao fisco e o cumprimento do limite de velocidade nas estradas – onde “toda a gente transgride” e “quando se é apanhado e multado se acha que é uma injustiça tremenda”–, Borges revela ter tido uma “certa dificuldade em pagar a sisa correcta”, acrescentando que “porque ninguém paga”, o “incumprimento da lei torna-se mais desculpável” e “impossível de combater”. Sem querer extrapolar das declarações feitas, parece-me haver algo de inegável: a resignação perante um grave problema em Portugal. E resignação não quadra com liderança política.
Borges acrescentava, ainda, que “na política não se ganha literalmente nada”, lamentando-se que, como ministro, ganharia menos de 20 vezes o seu ordenado base, fora a parte variável. Subscrevo a revisão dos salários dos políticos e não comento o que é ganho legalmente e com mérito. Apenas gostaria de ver em Borges mais entusiasmo em servir o país. Ser competente é bom, só que não chega. A vaidade, ainda se tolera. Mas quando o espírito de liderança e a vontade de dedicação à causa pública são titubeantes, é forçoso dizer não, obrigado.
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Tiago Mendes, Doutorando e tutor em Economia na Universidade de Oxford
Tiago Mendes in DE
António Borges quer voltar para Portugal. Entre outras coisas, porque “quando se está em Portugal há uma alegria de viver diferente” – revelava o social-democrata há 20 meses (Expresso, 06-11-2004). Doutorado em Standford, ex-Dean do INSEAD, ‘vice-president’ da Goldman Sachs, Borges tem um currículo ímpar. As suas qualidades intelectuais e competência profissional são indisputáveis. Revejo-me na sua intolerância à mediocridade. Depois, vêm as divergências.
Borges lembrava que a importância da democracia está em “corrigir os erros”, acrescentando que “Não há melhor regime do que a ditadura iluminada. Se houvesse um príncipe perfeito conseguiríamos maravilhas do país. Veja-se o caso de Singapura. Ou Portugal no tempo de D. João II”. Certo? Certíssimo. E útil, porventura, para interpretar uma recente declaração sua: “Após o Congresso manifestei a minha disponibilidade para trabalhar e trazer uma equipa do melhor que há em Portugal, mas o dr. Mendes não quis”.
Borges tem-se revelado, com frequência, injustiçado e incomodado. A sua postura reclama Pessoa: “A vaidade é a confiança no efeito do nosso valor, o orgulho a confiança em que temos valor. Compreendo que um homem seja orgulhoso; não compreendo que mostre sê-lo”. De pouco vale invocar a parca popularidade tida no país ou o carisma político por provar. O seu raciocínio, como o de qualquer “príncipe perfeito”, é simples: ele tem mérito, ele é “superior”, mas ele não tem poder. Logo, contradição.
Assumido cumpridor da ética católica na sua vida profissional e pessoal – “não roubar ou ser corrupto, ser minimamente leal ou solidário” –, Borges confina o pagamento de impostos à esfera da lei. Fazendo um paralelo entre a fuga ao fisco e o cumprimento do limite de velocidade nas estradas – onde “toda a gente transgride” e “quando se é apanhado e multado se acha que é uma injustiça tremenda”–, Borges revela ter tido uma “certa dificuldade em pagar a sisa correcta”, acrescentando que “porque ninguém paga”, o “incumprimento da lei torna-se mais desculpável” e “impossível de combater”. Sem querer extrapolar das declarações feitas, parece-me haver algo de inegável: a resignação perante um grave problema em Portugal. E resignação não quadra com liderança política.
Borges acrescentava, ainda, que “na política não se ganha literalmente nada”, lamentando-se que, como ministro, ganharia menos de 20 vezes o seu ordenado base, fora a parte variável. Subscrevo a revisão dos salários dos políticos e não comento o que é ganho legalmente e com mérito. Apenas gostaria de ver em Borges mais entusiasmo em servir o país. Ser competente é bom, só que não chega. A vaidade, ainda se tolera. Mas quando o espírito de liderança e a vontade de dedicação à causa pública são titubeantes, é forçoso dizer não, obrigado.
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Tiago Mendes, Doutorando e tutor em Economia na Universidade de Oxford
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